Corrida armamentista coloca o mundo em alerta outra vez
Segunda-Feira, 15 de Janeiro de 2018

Texto: Estadão Conteúdo/Band, com edição do AeF

Foto: Pixabay/Band

A administração Trump planeja desenvolver um novo poder de fogo nuclear, que possa tornar mais fácil deter ameaças aos aliados europeus. O plano, ainda não aprovado pelo presidente Donald Trump, teria como objetivo minimizar a possibilidade de um conflito nuclear. Críticos, no entanto, argumentam que o resultado seria o oposto.

A proposta faz parte de um documento conhecido oficialmente como "revisão da postura nuclear", que coloca os EUA em uma posição nuclear mais agressiva. É a primeira revisão desse tipo desde 2010 e está entre os vários estudos de estratégia de segurança empreendidos desde que Trump assumiu o cargo. Em muitos aspectos, reafirma a política nuclear de Barack Obama, incluindo o compromisso de substituir todos os elementos-chave do arsenal nuclear com novas e mais modernas armas nas próximas duas décadas. O documento diz também que os EUA vão aderir aos acordos de controle de armas existentes, mas expressa dúvidas sobre as perspectivas para novos  pactos.

A doutrina nuclear de Trump deve ser publicada no início de  fevereiro, seguida de uma política sobre o papel e o desenvolvimento das defesas norte-americanas contra mísseis balísticos. A diferença dela para a abordagem de Obama está na intenção de reduzir o papel das armas nucleares na política de defesa dos EUA. Como Obama, Trump consideraria o uso de armas nucleares apenas em "circunstâncias extremas", mas o atual presidente mantém um grau de ambiguidade sobre o que isso significaria.

Esboço

Um esboço do relatório da política nuclear foi divulgado na quinta-feira pela imprensa norte-americana. Procurado para comentar o assunto, o Pentágono chamou o documento de "pré-decisório", um relatório inacabado e ainda por ser revisado e aprovado por Trump, que o ordenou há um ano. A Rússia e, até certo ponto, a China, são apontados como problemas de política nuclear que exigiriam uma abordagem mais dura. A opinião da administração Trump é que as políticas e ações russas estariam “repletas de potencial de erro de cálculo†que levariam a uma escalada descontrolada de conflitos na Europa. O documento especifica uma doutrina russa conhecida  como "intensificar para moderar", na qual Moscou usaria ou ameaçaria usar armas nucleares de menor potência em eventuais conflitos regionais, na esperança de que isso obrigaria os EUA e a Otan a recuarem na pressão exercida sobre os russos.

A administração Trump propõe uma solução em duas etapas. Primeiro, uma alteração em um "pequeno número" de mísseis balísticos de longo alcance existentes, transportados por submarinos estratégicos, para adequá-los a ogivas nucleares de menor rendimento. Além disso, "a longo prazo", os EUA desenvolveriam um míssil nuclear de lançamento marítimo, restabelecendo um armamento que existia durante a Guerra Fria, e que foi aposentado em 2011 pela administração Obama. Juntas, estas duas etapas estariam destinadas a dissuadir ainda mais a "agressão regional".

O interesse pela condição e pelo papel das armas nucleares dos EUA cresceu à medida que a Coreia do Norte desenvolve seu próprio arsenal nuclear. A administração Trump vê as ameaças norte-coreanas, juntamente com o que considera uma retórica nuclear provocativa da Rússia, como evidência de que as condições de segurança já não dão suporte à ideia de que os EUA podem depender menos de armas nucleares ou limitar seu papel na defesa nacional.

Leitura

Na prática o mundo assiste a uma nova corrida armamentista, num cenário em que dois antigos protagonistas (EUA e Rússia), juntam-se a um terceiro (Coreia do Norte) para medir forças em relação a potenciais nucleares. Entre o fim da Segunda Guerra Mundial e os anos 1980, quando os ânimos da Guerra Fria se acirraram, a humanidade viveu dias de muita tensão com a eminência de um holocausto nuclear que poderia dizimar boa parte da vida humana na terra. Quando o pesadelo parecia ter acabado, voltou para assombrar novamente quem só deseja levar sua vida em paz no Planeta.

A outra leitura possível do fato é que, teoricamente, conforme já demonstrou a história, é melhor ter os EUA mediando e decidindo conflitos bélicos do que nações totalitárias, como a Alemanha de Hitler, a Itália de Mussolini ou o Japão de Hirohito, por exemplo, que na Segunda Guerra Mundial colocaram unhas e dentes para fora ao vislumbrar a possibilidade de subjugar a Europa e a Ãsia â€“ e teriam conseguido não fosse a entrada dos norte-americanos no conflito.

Torcida

Numa época em que um ditador megalomaníaco, mimado e fantasiado de divindade, no caso de  Kim Jong-un, e um déspota esclarecido disfarçado de estadista influente, no caso de Vladimir Putin, disputam para ver quem manda mais, não deixa de ser um tanto providencial que um país de tradição democrática e longo histórico de respeito à liberdade assuma mais controle sobre a perigosa situação que foi criada na Europa e na Ãsia.

Resta torcer para que o suposto pacifismo nuclear de Trump seja uma intenção verdadeira, e não apenas uma desculpa para deflagrar mais uma guerra, declarada ou não, fria ou quente.  



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