QUANDO A LEI JOGA CONTRA QUEM A RESPEITA
Domingo, 19 de Maio de 2013

O condomínio residencial Parque das Orquídeas e suas adjacências formam um dos mais belos, charmosos e elegantes endereços da já charmosa, bela e elegante Blumenau. Ocupando uma área onde há menos de 20 anos ainda havia um campo de pastagem para vacas holandesas mantidas por tradicional família alemã da cidade, o local enche os olhos de quem passa pela região, localizada no bairro Itoupava Norte, entre as ruas 1º de Maio, São João, São Lourenço e 9 de Agosto. 


As casas de médio e alto padrão, cercadas por montanhas verdejantes, ruas arborizadas e até bosques particulares de mata nativa (mantidos por descendentes do fundador da gigante têxtil Teka, que residem no local há quase um século), foram projetadas para atender a rigorosas normas técnicas e arquitetônicas de construção, estabelecidas na escritura dos terrenos loteados. A ideia central do empreendimento, idealizado e executado pela família Kuehnrich (fundadora da Teka), foi fazer um povoamento selecionado e ordenado da região, de forma a preservar-lhe os traços da colonização.


No Parque das Orquídeas só é permitida a construção de unidades residenciais uni-familiares. Ou seja: só se pode construir casas, apartamentos são expressa e legalmente vetados dentro dos limites do loteamento – em Blumenau existe apenas dois condomínios horizontais com este tipo de regulamento: o próprio Parque das Orquídeas e o City Figueiras, também conhecido pelo padrão diferenciado de concepção residencial.


Hoje dificilmente se compra um terreno por menos de R$ 300 mil nestes condomínios, podendo alguns dos lotes até ultrapassar este valor, dependendo da localização e tamanho – variam de 1 mil a 1,5 mil metros quadrados de área. As casas, para serem edificadas, precisam ter tamanho superior a um limite mínimo estabelecido, obedecer a diretrizes de concepção arquitetônica, não exceder nove metros de altura e, sobretudo, abrigar uma só família. Sub-locações e construções com mais de uma unidade familiar são expressamente proibidas.


Uma série de exigências que leva quem decide morar ali a ter que investir uma quantia significativa de dinheiro. Uma opção para quem tem situação financeira bem resolvida, não resta dúvida. Mas uma opção, sobretudo, para quem quer morar com tranquilidade, conforto e mobilidade – apesar de toda a paisagem bucólica que envolve a região, ela está a apenas seis quilômetros do Centro de Blumenau, percorridos por vias pavimentadas e rápidas (Via Expressa, Engenheiro Paul Werner, Rua São Paulo e Martin Luther) na ida e na volta.


Ameaça da favelização


Pois toda esta obra urbanística minuciosa e bela, planejada com cuidado e zelo, agora corre o risco de ser desconfigurada por empreendimentos destoantes e irregulares, que estão tirando os sono dos moradores da região. Em dois prédios multifamiliares, erguidos em terrenos adjacentes ao condomínio Parque das Orquídeas e enquadrados por zoneamento urbano ZR1, aproveitadores de plantão querem amontoar 20 unidades habitacionais minúsculas em uma área inferior a 1 mil metros quadrados, onde poderiam colocar, no máximo, segundo a lei e os projetos aprovados pela prefeitura, metade desta quantidade. Um dos empreendimentos está sendo erguido com mais do que o dobro do número de unidades aprovadas pela prefeitura – o projeto aprovado prevê a construção de cinco apartamentos, mas o proprietário simplesmente decidiu aumentar este número para 12, num terreno com menos de 500 metros quadrados, sem garagem, área de estacionamento para visitantes nem qualquer espaço coletivo que ajude a disciplinar o trânsito na estreita rua 9 de Agosto, onde certamente haverá problemas sérios se a obra for concluída como está – apesar da irregularidade gritante, ela não foi embargada e segue em curso.


Por isso os objetivos de quem acreditou na seriedade do Plano Diretor e dos órgãos públicos agora estão em xeque, encurralados pelo oportunismo inescrupuloso de alguns, por um lado, e a intrigante incapacidade do poder público para fiscalizar e fazer cumprir a lei, pelo outro. Cidadãos que, acreditando no cumprimento da legislação, decidiram fazer grande soma de investimento para morar com qualidade e diferenciação, mas que agora vêem seus planos seriamente ameaçados pelo que pode ser o início de um processo de degradação social do local, conforme reconhece até o gerente de Fiscalização da Secretaria de Planejamento Urbano de Blumenau.


Afinal, se as obras irregulares em curso forem concluídas, o que impedirá o surgimento de novas iniciativas do gênero na região? E assim, na pior da hipóteses, uma favela poderia estar sendo gestada em uma das regiões mais nobres e elegantes de Blumenau. Uma falha condenável de planejamento urbano, sem sombra de dúvida, numa cidade que deveria servir de exemplo.


Direito de todos


Por isso moradores do condomínio e até mesmo vizinhos da região, atônitos com a irregularidade e os prejuízos que ela pode trazer para o equilíbrio e a harmonia da localidade, estão se mobilizando e agora planejam ir à Justiça caso os empreendimentos sejam finalizados de forma irregular. Com uma série de denúncias encaminhada tanto à Ouvidoria da Prefeitura quanto aos agentes fiscalizadores do município, a comunidade espera que o poder público, a partir de agora, assuma a dura missão de encarar o oportunismo dos especuladores imobiliários, seduzidos pela chance de potencializar seu negócio a partir dos investimentos feitos por quem cumpriu a lei e, com isso, valorizou a região.


– Se todos aqui cumpriram a lei ao construir, por que motivo estes empreendimentos não precisariam cumprir também? Exigir que se cumpra a lei é direito e dever de todo cidadão, não só das autoridades. Nós vamos lutar por isso, custe o que custar – comenta um dos moradores do condomínio Parque das Orquídeas.


Na próxima postagem desta série especial, você confere mais detalhes sobre o que diz a lei de zoneamento urbano da cidade, como a irregularidade flagrada pelo Análise em Foco foi sendo edificada e o que alega o departamento de fiscalização da prefeitura sobre o assunto. Nas demais postagens, você vai conferir ainda o que pensam demais autoridades e profissionais da cadeia urbanística, o que pretendem fazer os moradores da região para evitar o desgaste de conviver com uma irregularidade e o que você, cidadão, pode fazer para ajudar a cidade a não sofrer tanto com o crescimento urbano irregular, inimigo número um do município há décadas.


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