EDITORIAL AeF
Circulou na última quarta-feira a informação de que uma autoridade chinesa teria declarado à imprensa estrangeira que a comunidade internacional estaria interferindo nas manifestações populares de Hong Kong, onde a população foi às ruas para pedir mais democracia e menos interferência do governo chinês do processo eleitoral da ex-colônia inglesa, devolvida à República Popular da China há 15 anos.
De acordo com a agência de notÃcias Reuters, a autoridade em questão (que teria falado em condição de anonimato aos repórteres) afirmou que "Desde a ocorrência deste evento, pelos comunicados, pela retórica e pelo comportamento de forças exteriores, como figuras polÃticas e alguns parlamentares e veÃculos de mÃdia, acho que este tipo de interferência certamente existeâ€. A mesma fonte, ainda segundo a Reuters, teria dito que a imprensa internacional deveria tratar com mais “objetividade†do assunto.
Pois cabe ressaltar à s autoridades chinesas que a luta por democracia não é uma questão de objetividade, mas de legitimidade. Se a população de Hong Kong foi à s ruas reivindicando o direito de escolher ela própria quem vai disputar o comando da próspera ilha asiática, é porque viveu décadas em regime de plena liberdade, no qual a interferência do Estado era mÃnima e a prosperidade máxima. Definitivamente, não é possÃvel ser mais objetivo na cobertura e na análise do fato do que estão sendo a imprensa e “forças exterioresâ€.
Para efeito de comparação, vale lembrar da Coreia do Sul, o pequeno tigre asiático que em menos de meio século tirou sua população da miséria e deu a ela uma das rendas per captas mais altas do mundo. Por que não há manifestações de rua por lá? Porque junto com a riqueza veio também a democracia. Desde 1987 o Presidente da República passou a ser eleito pelo povo, para um mandato de cinco anos, sem reeleição. Antes, era escolhido por votação indireta, à semelhança do que ocorre na China, onde o Partido Comunista dá todas as cartas na condução do poder.
Prenúncio
Esta, no entanto, seria uma questão de interesse restrito não fosse um importante detalhe: o que está ocorrendo hoje em Hong Kong pode ser o prenúncio do que poderá ocorrer em toda a China no momento em que o crescimento econômico, por si só, não for mais suficiente para fazer crer aos chineses que tudo vai bem na terra de Mao Tse Tung e Deng Xiaoping. O que está acontecendo em Hong Kong é uma clara demonstração disso, afinal o problema por lá está longe de ser financeiro ou econômico. É pura e simplesmente polÃtico.
O controle centralizador que o Partido Comunista impõe ao gigante asiático poderá começar a enfrentar sérias resistências no momento em que os 1,5 bilhão de chineses perceberem que o progresso não consiste apenas em um punhado de Yuan (a moeda chinesa) a mais no bolso. Haverá um momento em que a população perceberá que precisa também de liberdade, de democracia, de direito à livre escolha. Este é um processo natural nas nações que se desenvolvem – até porque desenvolvimento e liberdade estão intrinsecamente ligados.
Considerando a importância econômica da China hoje, com diferentes paÃses (entre os quais o Brasil) dependendo de seu crescimento para crescer também, é de causar preocupação imaginar eventual quadro de colapso institucional e polÃtico no paÃs asiático. Daà a preocupação “objetiva†da comunidade internacional com os preocupantes sinais que vêm de Hong Kong.
Umbigo
Que as autoridade chinesas abram o olho, portanto, e olhem para o próprio umbigo em vez de ficar culpando a imprensa e as “forças exteriores†pelos problemas que elas próprias estão criando. A China, se quiser continuar se desenvolvendo economicamente, precisará pensar em desenvolver-se polÃtica e socialmente também. Acreditar que o milagre econômico obtido à base de mão-de-obra semi-escrava (o custo do trabalhador chinês para a indústria, embora os salários venham se valorizando nos últimos anos, é quase tão baixo quanto era o de um escravo para o senhor de engenho) e intervencionismo estatal vá perdurar indefinidamente é quase uma infantilidade, para não dizer burrice.
Falando em objetividade, seria bom também que os chineses, objetivamente, parassem de abusar de alguns expedientes questionáveis para inundar o mundo com seus produtos baratos. Pirataria, subfaturamento, câmbio artificial, subsÃdios e intervencionismo são os mais conhecidos, e estão ajudando a levar a economia de alguns paÃses, como o Brasil, a um franco processo de desindustrialização. Não por acaso, a média mundial de crescimento econômico há muito tempo que vem se nivelando por baixo, ao contrário do que acontece na terra do mandarin.