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SINDICATOS APRIMORAM ORGANISMO SOCIAL, MAS COMETEM ABUSOS
Terça-Feira, 24 de Fevereiro de 2015

OPINIÃO DO ANÃLISE

Desde que a Revolução Industrial ampliou as concentrações de ofício e consolidou as bases do capitalismo moderno, a criação dos sindicatos de trabalhadores foi um dos avanços mais importantes do sistema produtivo. Sem eles, o próprio capitalismo teria a sobrevivência ameaçada, afinal sistemas com benefícios unilaterais e muito injustos não se sustentam ao longo do tempo. Como o capitalismo até agora foi o que surgiu de melhor em termos de organização social, a contribuição do movimento sindical para a civilização foi notável.

Ocorre que, se a mais-valia precisou de limites em algum momento da história e o sindicalismo foi um dos mais eficientes, o poder dos sindicatos agora também precisa de controle para não extrapolar os próprios limites e desequilibrar o sistema. É o que mostrou a última greve do transporte público em Blumenau, encerrada na noite desta terça-feira. Mais uma vez, além de descumprir dispositivos legais, como aviso prévio 72 horas antes da paralisação e manutenção de oferta mínima do serviço, o movimento grevista ignorou qualquer noção de respeito à população – lembrando que o transporte de passageiros é feito por empresas privadas, mas trata-se de um serviço público operado em regime de concessão. Ou seja, em última instância é ao cidadão que os trabalhadores devem satisfação.

Seria altamente recomendável, portanto, que os líderes da categoria levassem este aspecto em consideração antes de optar por greves. Todos os dias, 100 mil blumenauenses dependem do ônibus para ir e vir do trabalho, da escola, do hospital ou do lazer. Em um país que já humilha o cidadão cobrando impostos de primeiro mundo e oferecendo serviços públicos de quinto, não fica nada bem para uma cidade exemplar como Blumenau impor tamanho sofrimento a seus igualmente exemplares cidadãos.

Interferência

Que o direito de greve seja preservado e até aprimorado, mas seu raio de interferência precisa ser mais precisamente delimitado. Toda lei precisa de amadurecimento e evolução, sob pena de tornar-se injusta ou ineficiente ao longo do tempo. No caso da última paralisação do transporte em Blumenau, por exemplo, as partes mais prejudicadas por ela foram justamente as mais fracas no contexto de desequilíbrios que marca o Pacto Federativo. O cidadão, de um lado, e o município, do outro. Ou melhor: os dois do mesmo lado. O primeiro suando a camisa todos os dias para pagar impostos e sustentar Brasília, que joga seu dinheiro fora sem nenhuma cerimônia; o segundo vendo a conta da prestação de serviços e a cobrança da população chegar numa proporção que as receitas não conseguem acompanhar.

Já para as empresas que operam o serviço de transporte, a paralisação não chega a ser nenhum fim de mundo, pois combustível e manutenção são o segundo e o terceiro item na planilha de custos do sistema – folha de pagamento é o primeiro. Rodando menos, os ônibus consomem menos diesel, vão menos à oficina e gastam menos pneu. O dono da empresa, portanto, certamente não perderá o sono à noite ao ver sua frota parada na garagem. Muito pelo contrário, aliás, considerando o preço a que está chegando o combustível no país.

Dentro desta ótica, o foco da paralisação acaba distorcido. Para melhorar as condições da própria categoria, os trabalhadores do transporte público precisam melhorar também a qualidade de vida do cidadão, pois, do contrário, não resta sentido algum em suas reivindicações, considerando a natureza pública do serviço prestado. Lógica cartesiana, mais uma vez.

– A paralisação nem deveria ter ocorrido, pois não havia elementos jurídicos para isso nem esgotado todos os canais de negociação, além do que já havia ações de segurança sendo implementadas – analisou o prefeito Napoleão Bernardes, neste caso com toda razão.

Acabaram dando um baita palanque para o tucano, que despachou emissários para pressionar o Ministério Público do Trabalho a tomar uma atitude e com isso acabou resolvendo a questão mais na força do que na conversa. Ainda ganhou microfone para discursar e capitalizar alguns pontos, no final das contas.

Pensem nisso, senhores, e relevem mais as necessidades da população para a qual trabalham na hora de organizar movimentos coletivos. A Justiça e os legisladores, por sua vez, devem colocar as normativas institucionais e os dispositivos legais para funcionar com mais eficiência â€“ o que também significa impor sanções mais duras a condutas questionáveis no meio sindical. Se queremos ter agentes públicos de conduta mais moralizada, precisamos moralizar também a conduta dos cidadãos que exercem representatividade coletiva. 

O Estado de Direito é princípio básico da democracia, e o acesso a serviços públicos pelos quais paga impostos é direito básico do contribuinte. Privá-lo desta premissa por decisão corporativa e unilateral, portanto, é não perceber, nem tampouco respeitar, o limite onde acaba o direito de um e começa o de outro.  

Iniciativa

Aos prefeitos, cabe observar mais uma vez que precisa partir deles a iniciativa de exigir mudanças na estrutura fiscal do país, que concentra recursos no topo da pirâmide e deixa sua base, que são os municípios, à míngua. Se as lideranças municipais continuarem recebendo candidatos e pedindo voto para terceiros em época de eleição, dificilmente farão o calo de alguém doer e assim terão que seguir peregrinando a Brasília de pires na mão.

Caso comecem a evitar quem não se envolve com a causa da revisão federativa e fiscal, podem atrair mais atenção para o assunto, que merece toda atenção do mundo. Afinal, é no solo dos municípios que se dá o contato do candidato com o eleitor.

E não é saudável deixar-se iludir: dentro do atual contexto fiscal e federativo, não há muito o que o município possa fazer para dar mais segurança aos terminais urbanos de Blumenau, conforme reivindicam motoristas e cobradores – com toda razão, pois as estações de embarque e desembarque realmente são territórios livres para quem deseja praticar o mal. O problema é que o caixa municipal já opera para lá do limite, com margem mínima para contratar despesas. Até mesmo fontes como o Fundo de Participação dos Municípios, funil pelo qual a União devolve às cidades parte do dinheiro que arrecada com impostos, tornam-se instáveis dentro do atual quadro de deterioração das contas públicas.

Pensemos todos em reformas, pois. Remendos pontuais aqui e ali – como a contração de alguns guardas para os terminais urbanos ou o reforço (sempre insuficiente) da polícia – podem até aplacar demandas momentâneas, mas, assim como atacar a febre não mata a infecção, não serão capazes de combater o problema por completo. Por isso é preciso ir às ruas, com greves e protestos, para exigir projetos de transformação que mudem o Brasil na essência, não apenas na aparência.

Da forma como as coisas estão hoje, reivindicações como esta, embora importantes e legítimas, acabam equivalendo a chover no molhado, ou a enxugar o gelo na tentativa de secá-lo. São ações que geram pouco benefício prático. Na verdade geram bem mais transtorno do que beneficio, convenhamos.   




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