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INICIATIVA DO LEGISLATIVO BLUMENAUENSE DEVE INSPIRAR AÇÕES SEMELHANTES
Sexta-Feira, 30 de Outubro de 2015

Na sessão ordinária desta quinta-feira
os vereadores de Blumenau aprovaram projeto de lei que proíbe a produção e o
consumo de patês e demais alimentos obtidos por métodos de alimentação forçada,
que provoquem sofrimento a animais. Ou seja: não será mais permitido produzir
nem oferecer foie gras em solo blumenauense. A proposta é de autoria da
vereadora Evelin Huscher (PT), que há quatro meses cumpriu mandato de 30 dias
no Legislativo, como suplente. Para virar lei, o projeto depende agora de
sanção do prefeito Napoleão Bernardes (PSDB).

A proposta estabelece que o
descumprimento da lei será considerado infração gravíssima, independente da
existência de circunstâncias agravantes. Quem descumprir o dispositivo legal
pagará multa, que pode ser aplicada em dobro no caso de reincidência.

Convém destacar que a proibição do
consumo e da produção de uma iguaria obtida a partir de métodos tão cruéis e condenáveis
é uma iniciativa exemplar. Embora seu efeito, em Blumenau, seja mais simbólico
do que efetivo – a oferta e o consumo de foie gras não chegam a ser mania na
cidade –, é justamente esse simbolismo que revela a necessidade de se
aprofundar o debate e a legislação em torno do assunto.

E não é preciso nem ir longe para
constatar tal necessidade. Aqui mesmo no Vale do Itajaí, bem pertinho de
Blumenau, na vizinha Indaial, há um caso bem saliente para reforçar esta
percepção. Ali opera um reconhecido frigorífico, especializado em cortes nobres
de pato e marreco, cujo sucesso, em parte, vem da produção e exportação de
quase uma tonelada de foie gras por mês. Na verdade a especialidade da unidade
não é o patê em si, mas o fígado inchado e gorduroso da ave doente – não é
preciso descrever aqui os requintes de crueldade utilizados para produzir o alimento,
qualquer pesquisa online fornecerá dúzias de referência sobre o assunto.

Não se trata de querer desmerecer o
trabalho do abatedouro em questão, de forma alguma. Trata-se de uma empresa
muito bem estruturada, competitiva e vencedora. É orgulho para a economia
local, até porque não produz só o foie gras. Mas a produção em larga escala do
alimento é um apontamento negativo no currículo do frigorífico e da indústria
catarinense, não resta dúvida. Num tempo em que se valoriza cada vez mais as
condutas conscientes e sustentáveis, é de se pensar seriamente no assunto.

Parcialismo tendencioso

Na cidade de São Paulo tentou-se
iniciativa semelhante à de Blumenau, mas através do Executivo, que proibiu a
venda e o consumo de foie gras na cidade. Os empresários do segmento, no
entanto, conseguiram reverter a proibição na Justiça, embalados entre outros
fatores por uma cobertura parcial e tendenciosa de parte da grande mídia, que
preferiu ilustrar as reportagens com chefes de cozinha badalados e sorridentes,
ao invés da imagem degradante das aves adoecidas e moribundas que dão origem ao
fígado envenenado da alta gastronomia.  

O aspecto mais chocante da defesa que
ainda se faz do foie gras, contudo, vem das interpretações de natureza
subjetiva que se pode fazer a partir do fato. Afinal, se alguém é capaz de
fazer isso com um animal indefeso, possivelmente seja capaz de fazer coisas
igualmente perturbadoras noutras esferas da vida em sociedade. Mais
objetivamente falando: se um meio tão cruel justifica um fim tão supérfluo, na
opinião de quem defende o consumo da iguaria, meios analogamente cruéis poderiam
justificar outros fins igualmente supérfluos. Por esta ótica, por que não botar
dinheiro sujo no bolso para viver com mais extravagância, por exemplo? Quem
come fígado de ganso mal tratado e doente, sabendo do sofrimento pelo qual passou
o animal, possivelmente é capaz de tolerar outras atrocidades. Afinal, para
quem pensa assim a lógica é pura e simplesmente a da conveniência pessoal.

E não adianta querer comparar a criação
de pato e ganso para foie gras com a de outras aves, suínos e bovinos para
abate e produção de carne. São coisas incomparáveis. Se o confinamento dos
animais em áreas restritas limita sua mobilidade e a alimentação preparada
acelera seu crescimento, a prisão de uma ave dentro de uma gaiola onde ela não
pode abrir sequer as asas, afogada diuturnamente em um mingau de maisena com
gordura, durante quatro meses, deixa o pobre animal doente, moribundo, atordoado
de dor e sofrimento
. É uma atrocidade, bem diferente do confinamento coletivo.

Querer argumentar que a tradição do foie
gras
é milenar também não cola, pois a evolução da sociedade e dos padrões de
conduta servem justamente para melhorar o convívio dos seres humanos entre si e
com a natureza. Assim, se algo era praticado na era medieval, quando a barbárie
e a ausência de direitos pautavam a esfera social, não precisa ser
necessariamente praticado hoje, pois tanto a ética quanto a virtude agora têm
bem mais espaço na agenda de debates.

Pioneirismo

Por isso, parabéns para os legisladores
blumenauenses, unânimes no combate a mais esta atrocidade – Blumenau já foi
pioneira nesse tipo de iniciativa ao proibir animais em circos, lei de autoria
do vereador Célio Dias (PR).

Considerando que este ano a Câmara já
engavetou o projeto de reajuste de salário dos vereadores, há que se reconhecer
que o Parlamento blumenauense até o momento está com saldo positivo em 2015.
Mas os parlamentares que abram bem o olho, pois o ano ainda não terminou e resta-lhes
ainda 2016 inteiro de legislatura. No horizonte, portanto, muitos desafios
ainda, então que fiquem atentos. 




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