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A LUZ NA ESCURIDÃO
Terça-Feira, 12 de Abril de 2016

EDITORIAL AeF


O Brasil vive um dos momentos mais dramáticos de sua história. De um lado, vê o projeto de poder no qual tanto acreditou afundar na corrupção, na ineficiência e no despreparo; do outro, vê as forças que deveriam representar alternativas viáveis atoladas no mesmo banhado. Catalisando toda esta desgraça, um vice-presidente conspirador que, pelo jeito, assim como seus pares de Explanada, também só pensa no poder a qualquer custo.   


Paradoxalmente, o mesmo quadro assustador, que revela total falta de perspectiva, mostra um aspecto altamente positivo: a situação está sendo discutida em tom bastante adequado e democrático no Congresso. Quem acompanhou as discussões na comissão responsável pelo relatório do impeachment, ao longo dos últimos dias, pôde vislumbrar alguma decência remanescente entre os parlamentares e um embate de ideias que permitiu fortalecer a compreensão dos fatos por parte do cidadão. Até emoção alguns deputados deixaram transparecer ao falar. Indicativo de que há um envolvimento verdadeiro e intenso com o que se diz, pensa e acredita. Sentamos no divã e falamos abertamente dos nossos problemas, e isso, por si só, já faz um bem enorme para a nação.


O Brasil, desde o impeachment de Collor, passando pela eleição de Lula e agora pelo possível impedimento de Dilma, vem dando demonstrações claras de que pelo menos consegue superar seus dilemas institucionais dentro do espírito democrático – a despeito de todo o mal que seus agentes públicos fazem para a democracia, minando-a com fisiologismo, corrupção e proselitismo. Até o momento, apesar dos excessos de parte a parte neste novo episódio, os agentes públicos da nação parecem estar dispostos a seguir nesta rotina saudável de respeito à democracia - tomara que o PT, que é ator importante deste espetáculo, não estrague a peça no final, seja qual for o resultado. Durante as manifestações parlamentares da comissão do impeachment, nos últimos dias, tanto governistas quanto oposicionistas souberam manter as divergências no campo da retórica e, se não mudarem de postura, vamos ter um desfecho decente para essa história, seja qual for o resultado da votação deste domingo.


Híbridismo


Durante os debates da comissão, também foi possível ter uma noção clara de que o processo de impeachment jamais será um mecanismo meramente jurídico, assim como não pode ser uma ação exclusivamente política. Na batalha de argumentos entre os que acusam Dilma de irresponsabilidade fiscal e os que a defendem da acusação, é praticamente impossível definir precisamente quem está correto. Cada parte tem sua dose de razão e o zero da equação provavelmente está no meio do caminho entre um lado e outro. Trata-se de um corpo híbrido por natureza e definição.


A questão central parece estar ligada à aprovação, pelo Congresso, do projeto de lei que alterou a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014, permitindo a revisão da meta fiscal daquele ano. Conforme estabelecia originalmente a LDO para 2014, o Tesouro Nacional deveria terminar o ano com um superávit primário de R$ 116 bilhões. Como a presidenta Dilma pedalou, pedalou e pedalou, pegando dinheiro dos bancos para pagar benefícios como o Bolsa Família (para os quais o país não tem mais dinheiro) e garantir a reeleição, o Tesouro chegou ao fim de 2014 com as contas em frangalhos, acumulando um déficit primário (que não contabiliza o pagamento dos juros da dívida) de R$ 32,5 bilhões. Aí, para não cair da Lei de Responsabilidade Fiscal, a presidenta liberou verba para emendas parlamentares, negociou alguns cargos em ministérios e assim conseguiu aprovar uma revisão da meta, para legalizar o rombo do Tesouro e livrá-la das garras da Justiça. Um jogo sórdido, entre chantagistas e chantageados, que produziu os resultados expostos agora pelas estatísticas econômicas e sociais.


Assim, parece não haver dúvida de que Dilma descumpriu toda e qualquer regra minimamente aceitável de responsabilidade fiscal; ninguém parece duvidar de que ela mergulhou as contas públicas no vermelho e, com isso, o país na recessão, no desemprego, no descrédito e na falta de perspectiva. E o fez ilegalmente, até os 45 minutos do segundo tempo, virando o jogo nos acréscimos da partida, com a aprovação daquele remendo à LDO. Neste contexto, realmente parece pouco razoável considerar apenas os minutos finais do jogo, se for levado em conta todo o mal que ele causou na maioria do tempo.


Juridicamente, também parece questionável a legalização póstuma das pedaladas, se no momento em que elas ocorreram eram ilegais. A retroatividade de uma mudança na lei, como a da LDO em 2014, é sempre um aspecto duvidoso e não raramente motivo de disputa judicial.


Pesa fortemente ainda a intensidade das pedaladas que Dilma e seus defensores alegam ter sido expediente adotado por outras gestões. Fernando Henrique Cardoso chegou a dever R$ 948 milhões aos bancos públicos durante sua gestão; Luiz Inácio Lula da Silva pendurou cerca de R$ 3 bilhões, enquanto Dilma Rousseff, tomada por sua inconsequência administrativa, chegou ao fim de 2016 com um papagaio de R$ 60 bilhões (os números são do Banco Central) junto à Caixa, Banco do Brasil e BNDES – no caso do último, há o agravante de uma série de operações internacionais mal explicadas e obscuras, como se sabe. Nem FHC nem Lula, contudo, precisaram pedir penico ao Congresso para fugir da LRF no fim do ano, pois ambos chegaram ao fim de seus exercícios fiscais cumprindo as metas de superávit estabelecidas pela LDO.


In dubio pro societate


Como se pode constatar, portanto, não faltam dúvidas pairando sobre cada aspecto do imbróglio jurídico que envolve o impeachment de Dilma Rousseff. No Direito Penal há um princípio que estabelece benefício ao réu quando há dúvida no processo, baseado na pressuposição de inocência de um acusado – in dubio pro reo. Ocorre que o impeachment, como foi lembrado durante as discussões da comissão que aprovou o relatório desfavorável a Dilma nesta semana, é um fato jurídico de apreciação política. Ou seja, trata-se de uma disputa jurídica mediada pelo Legislativo, e não pelo Judiciário. Sendo assim, as variáveis de enquadramento, embora igualmente amparadas na Constituição, são outras.


Neste caso, o princípio de orientação seria outro, como foi destacado no debate da comissão. Em um processo de interesse público, e não individual, a linha de pensamento de quem vai julgar seria ser a do in dúbio pro societate. Ou seja, “na dúvida, pró-sociedadeâ€.


No caso de um impeachment, portanto, deve-se tomar uma decisão que beneficie a sociedade quando houver dúvida – e a dúvida parece ser a única certeza surgida do intenso debate travado ao longo dos últimos dias. Mas o que beneficiará mais a sociedade neste momento? A manutenção de Dilma no poder ou seu impedimento?


Difícil saber ao certo e mais objetivamente. Alguns fatores, no entanto, podem servir como critério de análise. Nas manifestações de rua, por exemplo, não foi difícil ver quais grupos se destacaram mais em números; as pesquisas de opinião também são claras; as hash tags em redes sociais idem e o comportamento do mercado mais ainda. Também não se pode deixar de enxergar a aparência bem menos aparelhada e mais voluntariosa de um dos lados da polarização.


Feedback


Por isso cabe agora a nós, cidadãos, manifestarmos nossa opinião, contra e a favor da mudança. Precisamos sair todos da moita, em clima de paz e de respeito ao espírito democrático, para que nossos representantes em cada um dos poderes possam ter o feedback necessário e entender o que é melhor para a sociedade neste momento.


É preciso pressionar os poderes para que, na dúvida, olhem para os interesses do cidadão, e não dos envolvidos na causa. Não é um detalhe jurídico discutível e polêmico aqui e acolá que tirará da sociedade o direito de exigir uma decisão favorável a ela, seja qual for esta decisão. Se há incertezas neste processo, elas devem beneficiar os brasileiros, e não aqueles que os representam.




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