EDITORIAL AeF
Boa parte dos brasileiros critica a realização da OlimpÃada no Brasil, pelos contrastes que ela provoca em um paÃs que ainda tem tantos déficits para resolver. Falta educação, saúde, segurança e infraestrutura de qualidade, entre outros problemas que assolam a nação e impedem-na de se desenvolver de verdade. Falta empenho da classe polÃtica em fazer reformas que estabeleçam as bases de uma gestão pública menos corrupta e mais eficiente. Falta empenho também da sociedade, que na maioria das vezes se acomoda e deixa as coisas acontecerem de acordo com os interesses de representantes e não de representados.
A despeito desta visão realista e crÃtica do contexto em que se realiza os Jogos no Brasil, no entanto, é preciso reconhecer que a cerimônia de abertura da Rio 2016, nesta sexta-feira, foi um espetáculo tão arrebatador e bonito quanto denso e impactante. Foi difÃcil não se surpreender com a qualidade da produção e as mensagens que ela passou. Foi difÃcil, mesmo para quem é contra a promoção do evento no Brasil, não se orgulhar de ser brasileiro vendo uma realização tão bela, fascinante e contundente.
Foi possÃvel perceber muito claramente, em alguns minutos e de forma apoteótica, como o processo de formação da vida sobre a Terra levou à formação de uma gigantesca floresta no Hemisfério Sul, cobrindo todo o território de um paÃs que ocupa quase todo um continente. E depois, como ela foi dizimada pelas levas migratórias do “descobrimento†e do povoamento multi-étnico que ocorreria ao longo de 500 anos e transformaria a paisagem deste paÃs, que agora recebe a OlimpÃada. As consequências deste desmatamento desenfreado, ocorrido em todo o Planeta, ficaram igualmente claras na apresentação, que mostrou como o aquecimento global gera risco de inundações catastróficas em regiões costeiras, ameaçadas pela elevação dos oceanos, provocada pelo derretimento das geleiras.
Causa
Foi uma mensagem muito eficiente, pela forma arrebatadora como foi transmitida e pelo lugar de onde partiu. O Brasil pode falar com conhecimento de causa sobre o assunto. Se, por um lado, teve seu território devastado pelos colonizadores que agora visitam-no para competir ou se divertir no maior evento esportivo da Terra, por outro conseguiu chegar ao Século 21 com aquela que ainda é a maior floresta tropical do Planeta, contribuindo, sozinha, com boa parte da fotossÃntese que mantém o equilÃbrio ambiental dos continentes. E temos feito esforços reconhecidos no sentido de mantê-la em pé, ao contrário de outros paÃses que ainda têm reservar naturais de flora para manter. Ainda não vencemos o jogo contra o desmatamento, mas estamos pelo menos interessados em fazê-lo – os asiáticos, por exemplo, estão bem mais próximos de aniquilar suas reservas do que nós.
A cerimônia de abertura da OlimpÃada Rio 2016 também foi muito honesta ao reconhecer o Brasil como um paÃs de desigualdade social, no qual a inclusão de camadas desfavorecidas da população ainda é uma demanda e a presença do estado em regiões de conflito uma necessidade. Reconhecemo-nos como o somos, envolvendo a todos os responsáveis por esta existência de ambiguidades e chamando-os a assumir suas responsabilidades. Em termos conceituais, a abertura da Rio 2016 realmente foi primorosa.
Inclusive as apresentações musicais e artÃsticas, muito bem arranjadas e harmonizadas. O desfile de Gisele Bundchen foi memorável, o show do neto de Tom Jobim emocionante, a apresentação de Jorge Ben Jor contagiante e o casamento da bateria das escolas de samba com o trio Caetano Veloso, Gilberto Gil e Anita maravilhoso. A funkeira carioca mostrou que sabe cantar de verdade e a união das três vozes soou como sinfonia aos ouvidos. Ah, sim, e o Hino Nacional na voz do afinadÃssimo Paulinho da Viola foi sem dúvida uma obra-prima.
Vocação empreendedora
Pudemos relembrar também, na abertura da Rio 2016, que um dos primeiros seres humanos a voar sobre a superfÃcie terrestre em uma aeronave foi o brasileiro Santos Dumont, que rivaliza com os irmãos Wright o tÃtulo de inventor do avião. Um marco na história do empreendedorismo mundial, uma prova da capacidade produtiva do Brasil. Com nosso legendário empreendedor, foi possÃvel fazer um sobrevoo virtual a bordo do 14 Bis, contemplando a fascinante paisagem noturna do Rio de Janeiro, iluminada pelo inesquecÃvel espetáculo pirotécnico que adornou o Maracanã aos pés do Cristo Redentor, uma das sete maravilhas do mundo. Foi de encher os olhos e o orgulho de cada um dos 200 milhões de brasileiros. Deve ter enchido os olhos e o orgulho de cada cidadão do Planeta que aprecia as OlimpÃadas e vê nelas um elo de união entre os povos e as nações. O Brasil e os organizadores realmente estão de parabéns.
Que este espÃrito de auto-crÃtica e esta capacidade de promover grandes realizações com extrema competência contagiem o Brasil na era do pós-OlimpÃada. Que comovam também os responsáveis pela gestão do paÃs, a partir da compreensão de que somos realmente um paÃs fantástico, uma obra-prima da natureza e da humanidade, que juntos forjaram aqui um território de belezas naturais incontáveis, de convivência pacÃfica entre diferentes povos, de muitas derrotas mas de grandes conquistas sociais e econômicas, de uma esperança inacabável num futuro que parece nunca chegar mas ao mesmo tempo nunca desaparece do horizonte. Foi isto que a abertura da OlimpÃada nos permitiu ver: somos incrÃveis, somos grandes, somos poderosos, somos fascinantes. O mundo inteiro rendeu-se a esta constatação na noite desta sexta-feita. Foi um arrebatamento de almas e corações, não resta dúvida.
Legado
E talvez este seja o grande legado da OlimpÃada: mostrar que realmente não devemos desistir do Brasil. Ele é brilhante demais para insistirmos em apagar sua luz. Vamos dar as mãos em busca de um paÃs melhor do que já é, vamos trabalhar para transformar esta incrÃvel porção tropical de terra no paraÃso que ela merece ser. Deus, aliás, se não é brasileiro, parece que realmente gostaria de ser, ou pelo menos vir morar aqui. Vamos fazer nossa parte e arrumar a casa para viabilizar sua estada. Antes que seja tarde demais e até Ele desista da gente. Pensemos nisso.