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SEM QUIMIOTERAPIA E DOR, BRASIL NÃO VENCERà CÂNCER DA ESTAGNAÇÃO
Quarta-Feira, 12 de Outubro de 2016

OPINIÃO DO ANÃLISE


Acreditar que o Brasil poderá deixar a crise e voltar a crescer com medidas populares e indolores é como acreditar que uma pessoa com câncer possa ser curada só com orações e pensamento positivo, sem quimio, rádio ou qualquer outro tipo de terapia ou tratamento. Na situação a que chegou o país, a doença da estagnação econômica só poderá ser combatida com remédios amargos, de efeitos colaterais dolorosos e controversos. Sem medidas impopulares, que cortem na carne da máquina pública e provoquem reação em determinados setores da sociedade, não será  possível adequar o tamanho do Estado ao tamanho do país (hoje ele é muito maior e mais pesado), e então a nação seguirá se debatendo no fundo do poço, querendo sair dele mas afundando cada vez mais. É o que mostram os números e a situação, para quem quiser enxergar. Neste sentido, a PEC 241 (ou PEC do teto, como ficou conhecida), que passou em primeiro turno no Congresso nesta segunda-feira, parece, sim, um tratamento adequado para o momento, pelo amargor que a proposta vem demonstrando.


Quem não quiser enxergar, pode fazer um exercício: pense no seu padrão de vida e em seu poder de compra num futuro breve, quando o governo precisará aumentar ainda mais os impostos se não conseguir estancar a sangria do gasto público através da PEC 241. Pense no dinheiro que em vez de gastar com você terá que entregar para o Erário gastar com desperdício, corrupção e ineficiência. Pensando assim, quem sabe conclua que talvez seja melhor conter a gastança agora, promover as reformas estruturais necessárias e aprender a  fazer mais com menos.


O Brasil, a bem da verdade, não tem problemas de liquidez financeira. Pelo contrário. Falamos de um país que arrecada mais de R$ 2 trilhões por ano, que consome mais de 30% de seu PIB com gasto público, que destina bilhões e mais bilhões para todos os setores da administração pública todos os anos. Mas falamos também de um país que torra parcela equivalente de dinheiro com corrupção, ineficiência e desperdício. Falamos de uma nação que, a despeito de todos os recursos que arranca da sociedade, ainda deixa pessoas morrerem na fila de hospitais, produz analfabetos funcionais nas escolas e mata pessoas inocentes em uma guerra civil não declarada entre a polícia e os bandidos.


Galinha gorda


Falta de recursos, definitivamente, não é o problema no Brasil. Pelo contrário. É tanto dinheiro fácil na mão dos gestores públicos que eles acabaram ficando mal acostumados. Fazem a festa da galinha gorda com ele todos os dias, escancaradamente. Na brincadeira da tradição baiana, joga-se a penosa mais gorda para o alto e quando ela cai é do primeiro que pega;  no dia a dia da gestão pública, a dinheirama que jorra do Erário, muitas vezes, também vai parar no bolso de quem mete a mão nela antes.


Por tudo isso e muito mais, nada mais justo e sensato que estancar esta sangria de dinheiro público enquanto se providencia as reformas necessárias para tornar a administração pública mais confiável e eficiente. Vinte anos, que é o período de vigência da PEC 241, parece um bom prazo para isso. Em duas décadas dá para melhorar o combate à corrupção, com leis mais severas, como sugere o MP;  rever o Pacto Federativo (para deixar mais dinheiro nos estados e municípios), finalizar a reforma política (para tornar o sistema mais confiável) e reformar a máquina administrativa para torná-la menos dispendiosa e mais produtiva. Depois disso, pode-se afrouxar o cinto outra vez que a silhueta não muda mais, pois o hábito alimentar após o tratamento mudará.


Pensemos todos nisso e apoiemos a iniciativa que está em curso, portanto, independente das pessoas e partidos envolvidos com ela. Trata-se de um dispositivo que vai fazer bem para toda a nação, não apenas para os autores da proposta. É hora de valorizar a postura do Executivo e do Legislativo, sempre tão criticados por toda sociedade. Insistir em uma medida tão polêmica quanto impopular é um mérito que neste momento merece reconhecimento, independente de siglas ou figuras partidárias ligadas ao processo. É preciso pensar mais no Brasil do que nas convicções e interesses de cada um, neste momento. Melhor refletirmos sobre isso, antes que seja tarde demais.


Paternalismo constitucional


Em Parabólica, o colunista Thomas Madrigano comenta a visão constituinte de um Estado tutelador, que precisa resolver todos os problemas do cidadão, que precisa estar presente na vida dele até na hora de se alimentar, ir ao cinema ou comprar uma geladeira.


O que acontece hoje no Brasil está ligado a esta visão paternalista do Estado e tem um roteiro bastante manjado. Desde a era Vargas, que fundou o período contemporâneo de paternalismo estatal no Brasil, refundado depois pela ditadura militar, o país tem estes ciclos de ascensão e queda. Já tivemos milagres econômicos muitas vezes. Justamente por isso: fundamentamos nossos ciclos de crescimento econômico e social sobre ações estatais e não sobre iniciativas de mercado. E a esfera estatal, como se sabe, é absolutamente volátil, instável e imprevisível.


Nós, do Análise em Foco, estamos alertando para isso faz muito tempo. Mais precisamente, desde que entramos na Web, em 25 de julho de 2009. Desde que começamos a publicar artigos de análise e opinião, defendemos que as políticas populistas em curso no país levariam a um colapso do sistema econômico e social. Antecipamos mais de uma vez que o remédio de ontem viraria o veneno de hoje. Quem se dispuser a pesquisar nossas postagens nos últimos sete anos, e para isso basta digitar palavras-chave em nosso campo de busca, vai encontrar diversas publicações sobre o que seria, em nossa opinião, o prenúncio de uma tragédia anunciada. Estamos prevendo este novo ciclo de queda depois da ascensão há bastante tempo.  


Por isso agora temos a obrigação de defender o ajuste que está em curso, por mais dolorosos que sejam seus efeitos colaterais no primeiro momento. Mas é nossa única salvação. Insistir com tratamentos que já se mostraram inócuos é mais do que um grave erro, é uma sentença de morte. Por outro lado, é preciso ter com conta a necessidade de se promover reformas paralelas ao ajuste fiscal proposto. Sem elas, a quimioterapia não vai dar resultado e, aí sim, só vai acelerar a morte do paciente.


Pressão


O presidente Michel Temer, até o momento, tem se mostrado interessado no sacrifício de sua popularidade para fazer as reformas e, possivelmente, entrar para a história com elas, se vier a fazê-las. Resta saber se resistirá à pressão que virá das ruas e dos gabinetes. Dilma e o PT não resistiram, deu no que deu. Agora é preciso torcer (e muito) para que ele resista.




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