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OS RISCOS DA INSEGURANÇA E DA VISÃO REACIONÃRIA SOBRE ELA
Quinta-Feira, 19 de Janeiro de 2017

EDITORIAL AeF


O Brasil é um dos países mais violentos do mundo. Todos os anos, mais de 50 mil pessoas morrem por causas violentas no país, categoria que inclui assaltos, brigas de trânsito, crimes passionais, guerra de gangues e outros tipos de ação violenta. Morre muito mais gente no território brasileiro do que em países em guerra. O Afeganistão, por exemplo, que abriga alguns dos piores terroristas do mundo e vive conflito étnico inacabável, matou pouco mais de 3 mil pessoas no ano passado. Quase 20 vezes menos que o Brasil, cuja população é 6,7 vezes maior que a afegã, de 30 milhões de pessoas. Ou seja, mesmo considerando a diferença populacional, seria como dizer que o Brasil, proporcionalmente, mata quase três vezes mais do que o Afeganistão, berço do terrorismo mundial.


A guerra entre facções criminosas que nos últimos dias chocou a opinião pública e produziu cenas de terror dignas de massacres genocidas em presídios do Norte do país, é uma materialização bizarra e eloquente do quadro de deterioração social que assola o Brasil. Uma pintura quase surreal de uma realidade na qual é difícil acreditar – se você der detalhes do que está acontecendo aqui a cidadãos menos informados de países desenvolvidos eles seguramente recorrerão ao Google para confirmar se é verdade. 


É realmente um posto para lá de desonroso aquele que o Brasil ocupa hoje em termos de segurança pública, impera reconhecer. Para agravar ainda mais a situação, a sociedade assiste ao predomínio de uma visão reacionária e pouco edificante do problema, segundo a qual recuperar presos é mimimi dos Direitos Humanos e cadeia deve ser mesmo território de selvageria para reforçar a punição dos delinquentes.


Na esteira deste debate, vamos destacar aqui aspectos que consideramos contraditórios no discurso reacionário:


- Os números da segurança pública no Brasil mostram que o modelo atual está falido e algo precisa ser feito. Da forma como estão hoje, os presídios brasileiros são territórios controlados pelo crime organizado, como mostram as barbáries ocorridas em penitenciárias do Norte. O Estado brasileiro perdeu completamente o controle do que ocorre dentro das penitenciárias. Uma situação em que, para manter a situação aparentemente controlada, agentes públicos fazem acordos espúrios e/ou trocam gentilezas condenáveis com os criminosos. Transformaram as unidades prisionais em sindicatos e faculdades do crime, contribuindo sobremaneira para agravar o quadro de insegurança pública que assusta o cidadão.    


- Quando se compara dados de educação e segurança é difícil atribuir valores em escala absoluta, como fazem os defensores da teoria reacionária, atribuindo às diferenças de gasto per capta com escolas e presídios as mazelas do sistema carcerário e da segurança pública no Brasil. Tentar fazer esta comparação é mais ou menos como tentar comparar mamão com abacaxi. Qual deles é mais gostoso? Qual faz melhor para a saúde? Qual tem mais elementos nutritivos? De qual deles seu corpo mais precisa neste momento? Tudo vai depender de uma série de variáveis que inclui constituição genética, interferências do meio ambiente, origem, conservação e outras.


Parte do argumento de que investir mais em educação ajuda a reduzir a pressão sobre o sistema carcerário é verdadeira. Teoricamente, formar cidadãos mais conscientes e qualificados ajuda a reduzir a miséria, a desigualdade social e, consequentemente, a delinquência. Isso não significa, contudo, que investimentos equivalentes em carceragem de qualidade não sejam recomendados. Afinal, não adianta iniciar a formação de um cidadão na escola e depois perder a oportunidade de concluí-la num presídio. É jogar dinheiro fora, investir de forma equivocada. Mais ou menos como comprar um desfibrilador para evitar a morte por acidente cardiovascular e depois não poder usar o equipamento porque a tomada não funciona. Burrice, no mínimo.


- Tentar recuperar pelo menos parte da população carcerária (afinal outra parte sabe-se que é irrecuperável) obedece a uma lógica que tem mais a ver com interesse público do que com direitos humanos. A equação é bem simples: se você tem presídios que devolvem às ruas criminosos piores do que recebem (o sujeito vai para a cadeia por furto ou roubo e sai de lá preparado para latrocínio ou sequestro), estará criando um ambiente de aumento da insegurança. É raciocínio cartesiano. A soma sempre irá gerar um resultado proporcionalmente maior do que a subtração ou a divisão. Se o sistema aumenta a periculosidade e a quantidade dos delinquentes ao invés de diminuir, tornará a sociedade mais insegura. Não há outra conclusão a se chegar no campo da lógica.   


- Existe pouca referencia confiável sobre o número ideal de presos recomendável para uma unidade prisional, mas o Brasil tem presídios com até 10 mil detentos, como Bangu, no Rio de Janeiro. Com tantos “especialistas†e “iniciantes†convivendo juntos e trocando experiências para acumular know how, fica fácil entender porque o crime organizado cresce com tamanho vigor e coloca a sociedade de joelhos. Investir na infraestrutura prisional para separar aqueles que ainda têm alguma chance de deixar o crime daqueles fadados inexoravelmente ao mal, portanto, pode ser mais investimento do que gasto. Principalmente no Brasil, cujos números da segurança pública indicam que é preciso tentar algo novo e urgente.   


- Os números também mostram que, apesar de estar com suas penitenciárias superlotadas, falidas e dominadas pelo crime organizado, o Brasil tem menos detentos que países desenvolvidos como os EUA, que também encaram facções criminosas poderosas mas conseguem manter índices de segurança pública bem mais honrosos do que os nossos. Com um sistema prisional que parece coisa de outro mundo comparado ao brasileiro, os norte-americanos têm 318 milhões de habitantes para uma população carcerária de 2,2 milhões de presos. Já o Brasil, com 206 milhões de habitantes, tem pouco mais de 600 mil detentos, amontoados em depósitos de gente que chegam a lembrar campos de concentração nazista em alguns casos. Qualquer cálculo básico de proporcionalidade mostrará, portanto, que temos menos presidiários por habitante do que o vizinho do Norte, embora sejamos bem mais violentos. Lá, o sujeito vai preso até por urinar na rua, aqui é mantido em liberdade até quando mata alguém.  Ou seja, o Brasil parece ter mais bandido fora do que dentro da cadeia, a despeito de um sistema carcerário superlotado.


Bomba


É por estes e outros fatores que, respeitando a opinião de quem pensa diferente, acreditamos que o Brasil precisa, sim, investir em melhorias do sistema carcerário, incluindo a construção de mais presídios, a recuperação dos presídios atuais e a adoção de políticas públicas que amenizem a proliferação do crime e gerem algum resultado em termos de recuperação de detentos. Se não é possível recuperar todos, que se recupere pelo menos uma pequena parte, ou que se evite o "aperfeiçoamento" dos criminosos. Sairemos no lucro se isso acontecer, considerando o cenário atual.


O que não se pode é deixar as coisas como estão hoje, pois, se isso acontecer, o quadro seguirá se agravando e, daqui a pouco, a próxima vítima do crime será você ou alguém da sua família. Se continuarmos colocando nas ruas mais bandidos do que tiramos, perderemos a guerra para a violência, como já estamos perdendo. Raciocínio cartesiano, nada mais.


Pense nisso, portanto, antes de reproduzir o discurso de que bandido bom é bandido morto e que, para não ir para o presídio, basta ir para a escola. Agindo assim, poderá estar ajudando a armar uma perigosa bomba, como querem alguns, ao invés de contribuir para desarmá-la, como quer a maioria. 




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