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OS DEFEITOS E AS VIRTUDE DA FURB, NA VISÃO DE SEU NOVO COMANDANTE
Segunda-Feira, 06 de Dezembro de 2010

Na segunda parte da entrevista exclusiva que deu ao Análise em Foco (clique aqui para conferir a primeira), o novo reitor da Universidade Regional de Blumenau (Furb), João Natel, exalta aqueles que, em sua opinião, são os grandes defeitos e virtudes da instituição.


Ele também defende a federalização da Furb e constata: o grande empecilho para o avanço do processo tem sido a falta de apoio das lideranças políticas do Vale do Itajaí e de Santa Catarina.  


Natel também faz elogios às políticas educacionais do governo federal para o ensino superior, com a ressalva de que elas precisam ser feitas de forma mais racional e com maior preocupação com qualidade e formação de mão-de-obra para a docência.


Confira, a seguir, a segunda e última parte da entrevista do reitor da Furb para o AEF:   


O QUE A FURB TEM DE BOM, E DE RUIM. E A FEDERALIZAÇÃO, COMO ESTÃ? 


ANÃLISE EM FOCO – O que a Furb tem de bom, que poderia ser dado como exemplo, e de ruim, que precisa ser melhorado?


JOÃO NATEL: Temos várias coisas boas, e talvez eu cometa aqui um erro, esquecendo algumas. Mas vou dar exemplos. Temos um curso de Direito tradicional em Santa Catarina, reconhecido, e que presta um serviço, através do núcleo de práticas jurídicas, que atende cerca de 5 mil casos por ano, gratuitamente. Isso é um diferencial da universidade.


Outro diferencial são os cursos da área tecnológica, notadamente as engenharias. A Engenharia Química, por exemplo, é um curso excelente, conceituado no país. A Furb tem pesquisa, tem prestação de serviços, enfim, seria injusto apontar um ou outro curso. Os cursos de graduação da Furb têm uma história na universidade, uma inserção na comunidade muito grande. Outro exemplo bom da Furb são as pessoas que estão aqui, onde os 1,5 mil servidores que temos são servidores dedicados – note que saí de uma reunião para te atender, e temos 15 pessoas lá, discutindo um único aspecto. Então há um envolvimento muito grande com a instituição, temos um capital humano diferenciado.


Entre as coisas boas, é preciso lembrar também dos laboratórios da Furb, que são muito bem equipados.


Pelo lado ruim, em que pesam as questões que precisam ser atacadas e melhoradas, talvez o principal problema da universidade, ao longo de sua estruturação, tenha sido o regime de trabalho. Nosso regime é horista, o que significa que temos aqui uma modalidade flexível de trabalho para o docente. Para o técnico administrativo não, são 40 horas e tal, mas com o docente o que acontece: ele ingressa na carreira, na maior parte das vezes, com uma quantidade mínima de horas. Ele pode ficar, pela legislação, oito horas, pelo resto da carreira acadêmica dele. Nesta situação, mesmo que ele tenha titulação – mestrado ou doutorado – ele tem pouco tempo disponível para a universidade.


As universidades bem estruturadas do país são universidades que trabalham com o conceito de professor docente em tempo integral, com 40 horas de dedicação para a instituição.


Isso é bom para a universidade pelo seguinte: as três variáveis de uma universidade que busca a excelência são: dedicação, qualificação e estrutura. Quanto mais tempo o professor se dedica à instituição, maior sua produtividade. Quanto mais qualificado ele for em nível de mestrado, doutorado e pós-doutorado, mais ele tem a contribuir.  


AEF – O Sr. é contra ou a favor da federalização da Furb?


NATEL: Desde 2006, quando fui candidato pela primeira vez, somos a favor da federalização. A Furb é uma instituição pública, de direito público, tudo que tem aqui funciona como serviço público, com licitação, concurso público para contratação de docentes e servidores, etc e tal.


Mas nós temos um problema que é o modelo de financiamento, que é o financiamento por alunos. Então eu acho que a nossa região do Meso-Vale do Itajaí é a única do estado que não tem um equipamento federal. Pelo fato da Furb ser a única universidade catarinense pública-pública (as demais são público-privadas), pelo fato desta região ainda não ter uma universidade federal, a federalização seria uma valorização da importância da Furb, da sua trajetória e do seu caráter, além de uma valorização da Meso-Região do Vale do Itajaí.


Então nós somos a favor.


AEF – Como está o processo hoje?


NATEL: Nós temos no Congresso um projeto de lei que visa a criar a Universidade Federal do Vale do Itajaí, com sede em Blumenau e sendo multicampi. Essa universidade poderá absorver o patrimônio, os cursos e os alunos da Furb, mas ela é omissa quanto à questão dos técnicos administrativos. Estamos tentando mostrar, então, aqui dentro da universidade, a viabilidade da Furb ser incorporada por esta Universidade Federal do Vale do Itajaí e os nossos servidores serem cedidos do município para a nova universidade e comporem uma carreira em extinção. À medida que fossem surgindo novas vagas, a instituição iria compondo seu próprio quadro, ao longo do tempo.


AEF– O que mais segura o processo de federalização hoje?


NATEL: A falta de engajamento das nossas lideranças. Até mesmo da comunidade, mas principalmente das lideranças.


AEF – Lideranças políticas?


NATEL: Exatamente.


AEF– O Sr. fala de deputados e senadores?


NATEL: e também do governo do estado. Todo mundo junto, trabalhando para irmos à diante com o processo. 


AEF – Como evitar que uma eventual federalização tire vagas da comunidade local? Afinal, quem é contra alega que, com a concorrência de crânios de todo o país, como ocorre no vestibular das federais, os estudantes da região ficariam mais longe das vagas oferecidas pela Furb. Seria possível estabelecer cotas para estudantes locais?


NATEL: Esta era uma preocupação bastante presente anteriormente, mas as formas que o governo federal tem hoje para permitir o acesso ao ensino superior, como o Enem, o sistema de cotas... na minha opinião, isso vai caminhar para uma necessária regionalização. É uma preocupação, mas os benefícios da federalização seriam muito maiores.


Pra ter uma ideia, a Furb trabalha hoje com um orçamento de R$ 120 milhões ao ano, obtidos com o pagamento de mensalidades. Se amanhã ela fosse uma instituição federal, teríamos R$ 120 milhões movimentando a economia, pois os alunos não pagariam mais mensalidade. Eles viriam para cá e precisariam morar, comer, se divertir, consumir. Essa é a discussão que tem sido feita aqui.


Isso é o que, talvez, está justamente prejudicando toda essa discussão do processo. A gente sente que Blumenau é uma cidade que, ao longo dos anos passados, meio que se fechou. Esta talvez seja a única explicação. Por que a gente não tem um hospital do estado aqui, porque não temos uma universidade do Estado aqui, por que não temos uma universidade federal aqui? Então, se nós blumenauenses continuarmos assim, seremos prejudicados, como já estamos.


O que explica o fato de que só o Vale do Itajaí não tem um hospital do estado, não tem uma universidade do estado? Todos nós perdemos com isso.


CONCORRÊNCIA TIROU FURB DA "ZONA DE CONFORTO"


AEF – A concorrência de instituições de ensino estabelecidas na região, nos últimos anos, foi favorável ou prejudicial à Furb?


NATEL: Diria que ela é favorável no sentido de que a universidade caminha no sentido de fortificar sua graduação, que já é qualificada, e buscar o nicho que é de uma universidade: pesquisa e extensão, na forma de prestação de serviços.


Então isso (a concorrência) nos tirou de uma zona de conforto, pra que a gente possa dizer: realmente somos a única universidade na região do Vale do Itajaí (as demais são centros universitários). De fato somos a única instituição que tem ensino pesquisa e extensão. Então isso foi benéfico, nos colocando em uma situação que nos provoque a melhorar.


Houve um déficit de alunos, é claro, mas nossa instituição tem outras potencialidades. Há um ônus, pois financiar pesquisa e extensão é caro, mas o caminho é este.


AEF – O Sr. seguirá expandindo a participação da pós graduação no total de vagas oferecidas pela Furb? Hoje este percentual é de 36%, a quanto poderia chegar?


NATEL: a médio prazo nós temos que equiparar a graduação com a pós-graduação, 50% para cada uma. E sem convênios, precisamos ter cursos de pós-graduação próprios.


AEF – O professor, escritor e cientista jurídico-social Juan I. Koffler Anazco escreveu para o Análise em Foco fazendo duras críticas a orientadores de pós-graduação, que, para ele, estariam falhando da missão de orientar os pós-graduandos. O que o Sr. pensa sobre isso?


NATEL: De fato ao longo dos anos, no país, se criou a ideia de que a pós-graduação é um status diferenciado, de que o professor que atua na pós seja diferenciado do que atua na graduação. Isso é histórico neste país.


Mas o que a gente percebe, ao longo dos anos, e mais recentemente – inclusive a própria Capes, que coordena esses programas no país – um dos critérios de avaliação da excelência de um programa de mestrado ou doutorado, é também a inserção  que este programa tem na graduação específica. Um exemplo: aqui nós temos um mestrado de Engenharia Química, e os professores que atuam ali lecionam também na graduação. Então a própria Capes já tem pontuado favoravelmente a participação de um programa de pós-graduação na graduação.


A Furb tem uma regra interna que coloca que o professor da pós-graduação tem que atuar também da graduação, na proporção de 70% para 30%, respectivamente. Queremos até deixa-lo mais focado na pós, o ideal é que tenha uma ou duas disciplinas na graduação, e o restante na pós.


Esse é um mecanismo de diminuição das diferenças entre a graduação e a pós. Mas, a partir do ano que vem, nós queremos melhorar nossos custos, baixar nossos preços na pós graduação porque queremos selecionar melhor nossos pós-graduandos. A qualidade de um programa de pós-graduação também depende dos alunos.  


Também há um incentivo da Capes para que o aluno que está fazendo um mestrado tenha treinamento para dar aulas na graduação, então a idéia é que estas diferenças entre o docente e o aluno, na pós-graduação, desapareçam.    


AEF – Como o Sr. avalia as políticas educacionais, de nível superior, em curso no país hoje? O que elas têm de bom e de ruim? Como melhorá-las?


NATEL: A ideia da expansão do ensino superior com custeio federal é uma ideia acertada. Sem qualquer caracterização política ou partidária, os últimos anos para as universidades federais têm sido bons no Brasil, por que há aporte de recursos, há crédito e dinheiro para a expansão... então o movimento que o governo federal fez nos últimos anos é favorável à educação superior no sentido do entendimento de que ela é importante para o desenvolvimento do país.


Não só para formar profissionais, mas também para a geração de produtos, de inovação, tecnologia. Paralelamente, a expansão do ensino técnico profissionalizante através dos institutos federais, com a preocupação de formar técnicos e tecnólogos, também foi importante.


Um outro lado que acho que um governo deve preocupar-se bastante, para além da expansão do ensino, e este é um aspecto que precisa ser aperfeiçoado, é a mensuração da qualidade do que está sendo feito. Não é possível que a gente expanda as universidades e a qualidade não seja verificada.


Pra se ter ideia, as universidades federais têm um déficit hoje de mil professores, simplesmente por que não encontram profissionais qualificados. Em Santa Catarina, particularmente, um outro problema da expansão das federais é que as universidades ditas comunitárias (sem fins lucrativos) do estado começaram a perder mestres e doutores para as federais, que abriram concursos e atraíram estes profissionais. Então, a expansão do ensino federal precisa ser feita de forma racional, para que não prejudique as demais instituições.


     


 


 




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