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PREÇO DO ALGODÃO E REBELDIA PORTENHA VIRAM OBSTÃCULO PARA A INDÚSTRIA
Quarta-Feira, 23 de Fevereiro de 2011

Você já deve ter ouvido falar do aumento brutal imposto pelo mercado ao algodão no último ano. Se ainda não ouviu, certamente vai ouvir, pois, nos próximos meses, esta será a explicação de lojistas e vendedores para reajustes de até 40% no preço das roupas.


– O quilo de fibra de algodão, que há um ano custava R$ 2,50, hoje custa entre R$ 7,50 e R$ 8,00 para a indústria, que, obviamente, está tendo que absorver este impacto – comentou o presidente do Sindicato das Indústrias de Tecelagem, Fiação e do Vestuário de Blumenau (Sintex), Ulrich Kuhn.


O diretor-presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil, Fernando Pimentel, acredita que o impacto deste aumento no preço dos produtos têxteis deva girar entre 20% e 30% para o consumidor final. Kuhn vislumbra percentuais de até 40% na majoração do vestuário.


Por isso, prepare o orçamento: vestir-se vai ficar mais caro.


Abaixo, você confere entrevista de Ulrich Kuhn e Fernando Pimentel para o Análise em Foco. Eles estiveram, nesta terça-feira, junto com o governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo, na abertura da Feira Internacional de Produtos Têxteis para o Lar (Texfair Home), em Blumenau. Nas respostas às perguntas do AEF, os dirigentes patronais também fazem duras críticas aos vizinhos argentinos:


– Só queremos que cumpram a lei, nada mais do que isso – sentencia Pimentel.


Confira a entrevista:


ANÃLISE EM FOCO â€“ Como o setor absorveu o aumento do algodão no mercado mundial? Houve repasse para os preços da indústria, de quanto?


Ulrich Kuhn: O setor ainda não absorveu, está em fase de absorção. O repasse está em andamento, ele começou de uma forma tímida, no final do na passado, está começando a ser mais real agora e eu diria que até junho ou julho, mas com maior impacto daqui para frente, os preços no varejo, de qualquer produto têxtil, vão oscilar entre um aumento de 20% a 40%. Essa é a realidade da indústria e toda a cadeia têxtil está absorvendo este aumento.


Fernando Pimentel: parte ainda não repassou, parte está tentando repassar e outra parte ainda está tentando absorver, com redução de custos ainda maiores, uso de novas fibras, novos produtos. Então eu diria que o vestuário, no mercado, na ponta final, deverá ter uma tendência, ao longo do ano, de ter preços elevados entre 20% e 30%. Isso não significa que o mercado verá estes preços, pois é uma necessidade, e entre a necessidade e a realidade há uma distância. O mercado irá regular esta acomodação. É um quadrado mágico: aumento de produtividade, uso de novas fibras, novos produtos e repasse de preços. Esse mix é que permitirá encontrarmos o preço final do mercado varejista.        


AEF – Por que as safras caíram ao ponto de causar um aumento tão significativo no preço do algodão?


Kuhn: As safras caíram nos três anos â€“ 2007, 2008 e 2009 – por razões econômicas ou climáticas, uma combinação destes fatores. Os estoques intermediários, ou reguladores, foram diminuindo e gerou um aumento. Um quilo de fibra de algodão, beneficiada, no campo, custava R$ 2,50 em janeiro do ano passado. Hoje custa entre R$ 7,50 e R$ 8,00. É o maior aumento em 140 anos, desde que existe registro oficial do preço da fibra de algodão.


Pimentel: O preço do algodão, no Brasil, está três vezes maior do que há um ano. A queda das safras no Brasil e no mundo se deu por razões climáticas, fundamentalmente, e isso pegou o mundo em um contexto em que a produção já vinha tendo redução em função de preços não remuneradores e alternativas melhores em outras culturas. No ano passado e neste ano, já temos uma recuperação das áreas plantadas, o que deve fazer com que em um ou dois anos já tenhamos estoques reguladores compatíveis com o nível de demanda.  


AEF - A indústria têxtil tem conseguido aumentar sua rentabilidade no Brasil?


Kuhn: a indústria têxtil em 2010, na média, como toda a economia brasileira, caminhou bem. Eu não diria que houve aumento de margem, pois a indústria têxtill, como toda indústria de transformação, precisa de reinvestimento contínuo. No ano passado, o setor têxtil fez o maior investimento dos últimos 20 anos no Brasil, aplicando cerca de 2 bilhões de dólares atualização da indústria, já como fruto de uma melhor margem no ano passado. Este ano o cenário não é tão brilhante, até por conta deste aumento de matéria-prima. Mas a indústria que quiser sobreviver, tem que ter uma margem saudável, senão morre no tempo e no espaço.


Pimentel: A indústria têxtil, aquelas que publicam seus balanços, que estão na bolsa e por isso são mais fáceis de acompanhar, tem mantido margens muito apertados. O setor têxtil é muito competitivo, de muita disputa interna e mundial. Então eu diria que a rentabilidade do setor não é a maior, comprada com outros setores mais oligopolizados, no entanto temos visto um avanço de indústrias com processos varejistas, que tem melhorado a margem de empresas que operam com esta estratégia de produzir e distribuir, senão toda mas uma parte, de sua produção (a exemplo da blumenauense Hering, que criou uma rede de lojas próprias e franquias por quase todo o Brasil).   


AEF – As dificuldades do câmbio foram vencidas ou ainda minam a competitividade da indústria nacional?


Kuhn: Elas não foram vencidas. Ao contrário: à medida que a inflação de custos, por menor que seja, evolui, o drama da competitividade só aumenta. Estamos avançando em custos e retrocedendo no câmbio.


Pimentel: não foram vencidas, pelo contrário, elas ficaram ainda maiores, num momento em que o mundo ainda passa por um processo delicado na área financeira, porque os juros mundiais despencaram enquanto os nossos voltaram a subir. Quer dizer, estamos de novo na contra-mão, com este custo bárbaro que onera as indústrias brasileiras. Um obstáculo a mais em um momento em que a demanda por capital de giro triplicou e as indústrias brasileiras foram penalizadas ante às concorrentes estrangeiras, que captam dinheiro a um custo muito mais baixo. O Brasil precisa trabalhar celeremente sua agenda de competitividade para amenizar o impacto negativo do nosso câmbio apreciado e do câmbio do nosso principal concorrente, a China, cujo câmbio é depreciado de uma forma desleal e administrada.   


AEF – Os asiáticos ainda entram no Brasil com produtos subfaturados? Como melhorar nossa alfândega portuária?


Kuhn: Um percentual razoável das importações brasileiras, não só dos asiáticos, vem numa conivência entre um importador e um exportador. Só o exportador não faz um subfaturamento, uma classificação errada ou outra forma de burlar as regras normais. Você tem um lado brasileiro que compactua com isso. Não é possível mensurar exatamente, mas uma percentagem ponderável de produtos ainda entra no Brasil de forma irregular. Se olharmos para três ou quatro anos atrás, veremos que a entidade brasileira, o Sintex, a Abit, tem feito um trabalho de treinamento e fiscalização, de controle, de análise e verificações de produtos, mas ainda há um longo caminho para percorrer nesse sentido.


Pimentel: Esse é um drama que faz parte da agenda da competitividade, a legítima defesa comercial para que o Brasil possa participar do jogo mundial de comércio dando aos empresários e trabalhadores do país condições equânimes de concorrer com fabricantes de outros continentes, principalmente os asiáticos. Nós monitoramos permanentemente o comércio em busca de indícios de subfaturamento, e mais agora que subiu de forma dramática o preço da matéria-prima porque eles precisam se refletir rapidamente sobre os preços, sob pena de estar havendo, sim, um subfaturamento na preservação dos preços anteriores.  


AEF – Em relação à Argentina, que novamente descumpriu acordos do Mercosul e restringiu a importação de produtos brasileiros, inclusive têxteis, ainda é possível confiar no país vizinho?


Kuhn: Veja bem, a gente nunca deve dizer que não confia em alguém, essa é uma palavra muito forte. A crença humana deve suplantar qualquer tipo de coisa. Agora, no atual cenário eu diria que é difícil acreditar na Argentina. Não querendo entrar no mérito das razões, mas não consigo entender que um país ultrapasse as regras do Mercosul, as regras da Organização Mundial do Comércio, com a maior tranquilidade, achando que isso é a coisa mais natural do mundo, e o Brasil ainda se mostre complacente, há muito tempo. É isso que o setor industrial reclama, contesta, cobra, exige do governo.


Pimentel: Apesar da irritação legítima com este tipo de comportamento, nós temos que estar sempre prontos a discutir e a negociar. Mas negociar com a nossa razão, impondo-se, porque não estamos querendo nada, só queremos que o argentino cumpra a lei, é só isso, não é nada demais, portanto.


AEF – O que a Texfair Home tem de melhor, que as outras feiras não têm? 


Kuhn: Ela é considerada no Brasil, hoje, uma feira muito profissional e bem organizada – estou falando no meio dos organizadores de feiras. Ela tem de melhor o fato de estar localizada em um centro geográfico produtivo muito forte. Ela é uma feira que tem desafios, como sempre. Blumenau tem uma estrutura hoteleira nem de longe adequada, os acessos à cidade também são deficientes, enfim, os problemas, que são velhos problemas, persistem. O lado positivo é nossa imagem, pois o Vale do Itajaí, Blumenau e Santa Catarina são uma grife. A feira também é bem estruturada, oferece conforto aos visitantes - com a climatização do ambiente, por exemplo, que, embora também tenha se mostrado necessitada de melhor eficiência com o forte calor que fez, não deixa de cumprir seu papel.


Pimentel: Prefiro ressaltar o que ela tem, e não o que as outras não têm: tradição, qualidade dos expositores, uma bela organização e um conceito de produtos de qualidade, agregando valor para o visitante que aqui vem e encontra o que há de melhor no segmento de cama, mesa e banho no Brasil.




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