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A TRAGÉDIA DA CONCENTRAÇÃO DE RECURSOS
Segunda-Feira, 02 de Dezembro de 2013

Análise em Foco – É praticamente consenso que o Pacto Federativo do Brasil precisa ser revisto. Qual seria o formato de organização fiscal mais justo para estados e municípios?


Raimundo Colombo: Eu não tenho dúvida que é preciso inverter a pirâmide. Hoje o balanço da contabilidade de 2012 mostra que 70,1% do valor arrecadado ficou em Brasília. O que é um absurdo. Então você tem que ir com o pires na mão, e aí tem programas que às vezes dizem respeito a uma realidade que não é a nossa. Você não pode tratar o Brasil igual porque ele não é. Em municípios pequenos e municípios grandes há situações muito diferentes. Então você tem que dar uma autonomia na legislação.


Eu não tenho dúvida que a partir de 2015 nós vamos estar discutindo uma revisão constitucional. O Brasil precisa disso, vai ter que fazer. É uma coisa que não é ideológica, é uma coisa prática, de resultado. A força dos poderes se desequilibrou, desequilibrando também a concentração de recursos. Então, com certeza absoluta, é preciso inverter a pirâmide. Quer dizer, quem está na base não tem dinheiro e quem está no topo é quem manda, aí quem sofre é o povo porque você não consegue realizar aquilo que de fato precisa.


AEF – E o Sr., que precisa viver com o pires na mão lá em Brasília, certo?


Colombo: Não tem saída, ou tu faz isso ou não faz nada. Hoje os estados e os municípios, em todos os lugares do Brasil, conseguem manter folha de pessoal e manutenção do sistema, o investimento é quase zero.


AEF – É menos de 10%, correto?


Colombo: Na maioria dos casos é 1%, 2%. No nosso caso aqui, neste ano, o investimento próprio vai chegar a 5%, mas brigando com todo mundo o tempo inteiro.


AEF – O que o Sr. faria de diferente se fosse presidente da República?


Colombo: Convocaria imediatamente uma revisão constitucional e mudaria o arcabouço jurídico do país. Faria um processo onde a pessoa tivesse realmente vez e voz. É impressionante, o Estado existe para proteger e promover as pessoas, mas ele está de costas para elas. Você não consegue. A burocracia ficou tão forte, tão insensível, hoje se judiciariza tudo, se interfere em tudo, que você não consegue mais fazer nada. Então você tem um Estado que realmente não protege as pessoas, que não as promove, que é muito limitado em seu trabalho.


Nós temos que desengessar isso, ou caminharemos para a crise que tem na Europa, em que o modelo faliu, explodiu. Nós não temos como manter esse nosso modelo. O custo do Brasil hoje inviabilizou, você não consegue mais exportar, só exporta em alguns setores que você consegue ser competitivo por causa da natureza, como o agronegócio e a mineração. No resto você não é mais competitivo, porque o Custo Brasil inviabilizou. Então tem que fazer isso (revisão constitucional), sob pena de você comprometer o futuro de um país extraordinário como é o nosso e perder todos os ganhos que nós obtivemos nos últimos anos com a estabilidade da moeda.


AEF – O Sr. encarou grandes desafios de ordem financeira no início de seu governo, principalmente após a unificação do ICMS e o aumento do piso dos professores. Como foi possível arrumar a casa em ordem?


Colombo: Houve momentos muito difíceis. Eu enfrentei um número de greves que, acho, nenhum outro governador enfrentou. E não é porque a gente não honra, estamos pagando tudo em dia, estamos cumprindo bem a nossa parte. Mas o aumento do piso dos professores foi feito lá em Brasília. A questão do ICMS foi uma paulada. Nós temos cinco portos, e quando unificaram o ICMS a vantagem foi toda pra São Paulo, que é um mercado de consumo, um mercado de transformação. O quê que acontecia: você chegava num porto de Santa Catarina e com o incentivo valia a pena, reduzia o custo do transporte, os nossos portos são muito mais ágeis. Quando você unificou o mesmo valor em São Paulo e nos outros estados, as indústrias migraram (para os portos) para lá. O primeiro mês a arrecadação de ICMS baixou R$ 91 milhões. Hoje ainda está na faixa de R$ 35 milhões que a gente perde todo mês. O prejuízo do primeiro ano foi de R$ 1 bilhão, este ano deve ficar em torno dos R$ 600 milhões.


Então foram momentos muito difíceis, muito duros. Mas não tinha jeito, não adianta ficar se queixando, falar disso, tem é que superar, isso já é lei, já é uma decisão tomada. A gente reverteu o quadro, e com o programa do Pacto nós conseguimos fazer com que o governo federal nos dê uma compensação para a perda desse dinheiro, com um empréstimo de R$ 3 bilhões do BNDES. A carência é de sete anos e os juros de 2% a 3% ao ano, sem correção. Então nós transformamos em obras.


Depois a gente teve o problema do sistema penitenciário, que explodiu e foi também um momento muito difícil. Mas, afinal, momentos difíceis fazem parte da vida, todo mundo tem, na sua profissão, na sua casa, na sua vida. Não adianta desanimar, tem que superar, é o que a gente está tentando fazer.


AEF – Como estão as finanças do estado hoje?


Colombo: Nós vamos pagar o salário de novembro agora, dia 27; vamos pagar o 13º no dia 13 e o salário de dezembro dia 20. Tudo isso está OK, a gente está terminando o ano bem equilibrado. Dizer que sobra não é verdade, mas o esforço foi de poder honrar absolutamente todos os compromissos, então vamos terminar o ano bem. Mas foi um ano muito difícil, em que cuidamos bem disso pra não descompensar. A grande maioria dos estados está com enorme dificuldade pra fechar, os municípios também. Mas nós conseguimos, com muito trabalho, nossa equipe foi brilhante na tarefa de equacionar todas as nossas contas e a gente vai terminar o ano numa situação bem tranquila, porém sem folga.


AEF – O Sr. é o governador de toda Santa Catarina, mas, por ser lageano, a região serrana deposita muita esperança em seu governo. O que falta para a serra catarinense se aproximar de sua congênere gaúcha em termos de desenvolvimento do turismo?


Colombo: O turismo é uma atividade que se desenvolve a longo prazo, e precisa uma série de componentes. Nossas belezas naturais, que nós temos em abundância, são muito mais bonitas, com todo respeito. Nós temos também um povo bom, honrado, trabalhador.  A nossa cultura é muito rica, muito favorável. Agora falta é o investidor. Então, como é uma atividade que se dá a longo prazo, o pessoal não tem capital para investir e ter resultado daqui dez anos, né? Por isso nós dependemos muito do investimento de fora. Algumas cidades estão dando um banho. Urubici, por exemplo, é um negócio muito especial, está indo muito bem. Eu não tenho dúvida que daqui a alguns anos ela vai melhorar. Nós estamos fazendo a nossa parte que é infraestrutura. Asfaltamos todo o caminho da Pedra Furada, do Morro da Igreja, da Serra do Corvo Branco...


AEF – E a SC-438, que liga Lages a São Joaquim e estava em péssima condição de conservação?


Colombo: Está em obras de recuperação. Nós estamos fazendo investimentos importantes em São Joaquim, que aí é o componente do frio. Tem um potencial enorme, agora é o que eu falo, é a questão do investidor. São Joaquim, além do frio, agregou a questão da maçã e agora agregou a questão do vinho. Então são coisas que vão se desenvolvendo. Mas turismo é isso, é longo prazo. Você falar de Gramado, de Canela, hoje é um sonho, mas quando começou, 40 ou 50 anos atrás, também teve as suas dificuldades.


Eu aposto muito nisso, muitas coisas nós estamos fazendo. O potencial é enorme e vamos acelerar o passo.


 AEF – O Vale do Itajaí reclama que as obras do Pacto Por Santa Catarina ainda não decolaram. Que perspectivas a população da região pode ter em relação ao assunto?


Colombo: Não, não, nós estamos acompanhando obra por obra, elas têm que acelerar. De fato umas foram rápidas, outras já estão sendo concluídas e algumas demoraram a começar. Mas a gente vai dar toda a atenção. Nós vamos lançar agora, indo a Blumenau no comecinho de dezembro, a SC-108, que é aquela paralela da Guilherme Jensen...


AEF – O Sr. se refere à continuação da Via Expressa, no caso...


Colombo: Isso, é uma obra muito importante que a gente já vai lançar o edital para contratar a obra, o projeto ficou pronto. Demorou, mas tinha que fazer projeto, tem que ter licença ambiental, é uma obra nova, você intervém. Mas nós estamos fazendo a ponte de Ilhota, que está indo bem, a Ponte do Badenfurt, em parceria com a prefeitura (de Blumenau), que a gente está pagando pra eles e também está indo bem. E tem uma série de outras frentes, umas andando bem outras um pouquinho mais demoradas, mas que a gente vai acompanhar caso a caso.


AEF – O programa Pacto Por Santa Catarina tem entre seus objetivos promover mudanças de perfil econômico no estado. Esta meta está sendo atingida?


Colombo: Está. Nós temos que melhorar a nossa logística, duplicar uma série de rodovias, como, por exemplo, Brusque-Itajaí, que a gente quer fazer a duplicação. Nós estamos fazendo uma série de estradas e melhorando os portos, para ter o acesso. Nós temos um potencial de exportação, de importação, a questão portuária, que é uma vantagem estratégica muito importante para o estado. E temos políticas de incentivo fiscal que estão ajudando muito nossa economia. Eu não tenho dúvida de que Santa Catarina vai continuar crescendo de forma acelerada, acentuada. Só para você ter uma ideia, o BRDE bateu todos os recordes de financiamento em 2013, o BNDES e o Badesc também. Isso significa que nós conseguimos aportar dinheiro barato na economia catarinense, através dos bancos públicos, e o resultado é fantástico. Nós estamos emprestando do BRDE, só para comparar, mais do que o dobro do Rio Grande do Sul e mais do que o Paraná, que são estados bem maiores.    


 




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